terça-feira, 30 de abril de 2013

Te amo

Pablo Neruda

Te amo de uma maneira inexplicável,
de uma forma inconfessável,
de um modo contraditório.
Te amo, com meus estados de ânimo,
que são muitos e mudam de humor 
continuamente pelo que você já sabe
o tempo
a vida
a morte
Te amo, com o mundo que não entendo
com as pessoas que não compreendem
com a ambivalência de minha alma
com a incoerência dos meus atos
com a fatalidade do destino
com a conspiração do desejo
com a ambiguidade dos fatos.
Ainda quando te digo que não te amo...
Te amo!
Até quando te engano, não te engano.
No fundo levo a cabo um plano
para amar-te melhor.
Te amo, sem refletir,
inconscientemente,
irresponsavelmente,
involuntariamente,
por instinto, por impulso,
irracionalmente.
De fato, não tenho argumentos lógicos,
nem sequer improvisados,
para fundamentar esse amor que sinto por ti,
que surgiu misteriosamente do nada,
que não resolveu magicamente nada,
e que milagrosamente, pouco a pouco,
com pouco e nada 
melhorou o pior de mim.
Te amo!
Te amo com um corpo que não pensa,
com um coração que não raciocina,
com uma cabeça que não coordena.
Te amo, incompreensivelmente.
Sem perguntar-me porque te amo,
sem importar-me porque te amo,
sem questionar-me porque te amo.
Te amo simplesmente porque te amo.
Eu mesmo não sei porque te amo.



segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Das Pedras

Cora Coralina

Ajuntei todas as pedras
Que vieram sobre mim
Levantei uma escada muito alta
Eno ato subi
Teci um tapete floreado
E no sonho me perdi
Uma estrada,
Um leito,
Uma casa,
Um companheiro,
Tudo de pedra
Entre pedras
Cresceu a minha poesia
Minha vida...
Quebrando pedras
E plantando flores
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude dos meus versos.

domingo, 19 de agosto de 2012

O amor

Fernando Pessoa

O amor quando se revela
Não se sabe revelar
Sabe bem olhar pra ela
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer 
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar.

Mas quem sente muito cala
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala
Fica só inteiramente.

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar
Já não terei que contar-lhe 
Porque lhe estou a falar.

A Estrada, Como Uma Senhora

Fernando Pessoa

A estrada, como uma senhora,
Só dá passagem legalmente.
Escrevo ao sabor quente da hora
Baldadamente.

Não saber o que se diz
É um pouco sol e um pouco alma.
Ah, quem me dera ser feliz
Teria isto, mais a calma.

Bom campo, estrada com cadastro,
Legislação entre erva nata.
Vou atar a lama com um nastro
Só para ver quem ma desata.

A Abelha

Fernando Pessoa

A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,

Não mudou desde Cecrops. Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.

Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós - ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte!
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida.

Não: não digas nada!

Fernando Pessoa

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já 

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor 
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Dobre

Fernando Pessoa

Peguei no meu coração
E pu-lo na minha mão

Olhei-o com quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.